Durante o mês de janeiro de 2016 visitei junto com um colega de trabalho as regiões de São Francisco, Berkeley, Palo Alto e Santa Clara. Foi um período de imersão na cultura de empreendedorismo e inovação do Vale. Participamos em diversas conferências, debates, palestras, atividades de networking, aulas teóricas e caminhadas turísticas seguindo alguns dos marcos que registram a história de inovação na região desde o tempo da invenção do tubo à vácuo, que por sua vez originou a era das comunicações em massa com o rádio e posteriormente a televisão. Foram muitos momentos de reflexão e aprendizado, mas se fosse possível resumir em três pontos principais, escolheria os seguintes:
1) O que move o Vale do Silício é a colaboração. Não é uma capacidade isolada que explica o sucesso desta região, mas sim a forma como estas capacidades (pessoas, tecnologias, capital, infraestrutura, artes, etc.) colaboram e encontram sinergia. O que liga estes elementos é o que as pessoas chamam de cultura do Vale do Silício. Um conjunto de valores compartilhados em larga escala pelas pessoas e que somados formam um tecido social propício para a inovação. Para se entender este conjunto é necessário caminhar pelas ruas da cidade com um olhar crítico. Se eu fosse apontar um único local para representar a essência cultural do Vale, este lugar seria o centro da cidade de Berkeley, onde está localizada a famosa universidade com o mesmo nome. Caminhar pela Telegraph Avenue, pela University Avenue e depois tomar um café no Free Speech Café, que fica dentro do campus da Universidade de Berkeley. Não espere ver empresas de tecnologia a cada esquina, mas sim pessoas morando na rua, gravadoras de disco de vinil, sebos recheados de revistas em quadrinhos, revendedoras de máquinas de escrever e restaurantes de todas as partes do mundo. Tudo isso misturado com uma internet aberta dentro do campus da universidade (no centro de estudantes, por exemplo) e vagas de estacionamento reservadas para prêmios Nobel. A mistura bem dosada de liberdade de expressão, comportamentos “subversivos” de paz e doses de intelectualidade profunda se opõe a visão do superficialismo estético minimalista que muitos enxergam quando projetam de longe a sua visão do vale. Quando pensar em Vale do Silício não pense naqueles escritórios plastificados cheios de telas planas e xícaras de café combinando com a cor do estofado. Isso é um produto, mas não a essência. Certamente a capital do Vale como conhecemos hoje não é Berkeley, muito menos São Francisco. A capital do Vale é a cidade de Palo Alto, onde fica localizada a Universidade de Stanford. É nesta região que se localizam os produtos que ilustram o imaginário do Vale como as empresas Apple, Google, HP, Tesla e Facebook. Mas o DNA para a formação cultural do Vale que ocorreu a partir da segunda década do século passado, na minha concepção, é melhor representado por Berkeley. É lá que reside a essência que propagou por toda a área da baia de São Francisco e desceu pelas cidades que formam o Vale do Silício até São José. Em Berkeley, com seus ingredientes culturais, surgiram iniciativas como o Community Memory Project, que marca o início da internet no seu senso colaborativo (a Arpanet contribuiu muito mais com o aspecto tecnológico do que o aspecto cultural colaborativo da Internet). Resumindo, em Palo Alto, Mountain View, Menlo Park, Redwood, são os lugares para estar com a sua startup. Mas para entender o mindset, você precisa entender Berkeley e São Francisco. Lá está a essência para se compreender a lógica da dinâmica de colaboração do Vale do Silício.
2) O Vale do Silício é único – não tente replicá-lo em outras regiões. Ele é dependente da sua história e cada região tem a sua história própria. Não é possível replicar o Vale. Não é possível nem mesmo emular o Vale. Má notícia para todos nós que vivemos na esperança de criar o próximo Facebook nos quintais das nossas cidades. A boa notícia é que o Vale está aberto para colaboração. Essa foi a lição número um. Antes de vir para cá escutei algumas histórias de pessoas que tiveram contato direto com a região e argumentaram que existem muitas barreiras para estrangeiros montarem seus empreendimentos em sinergia com o Vale. Isso me faz pensar que talvez esta segunda lição que estou propondo esteja um tanto fora da realidade. Entretanto, não consegui enxergar nenhuma evidência que reforçasse esta teoria das grandes barreiras externas para acessar o Vale. Pelo contrário, tudo me pareceu muito aberto e multicultural. Mas também ficou claro que algumas pontes devem ser construídas ou encontradas. Vi muitas delas por aqui e fazem ligações com diversas regiões do mundo como a França, o Chile, Hong Kong, Índia. Existem alguns hubs de colaboração. As universidades são os canais mais conhecidos. Mas vi outros também, como aceleradoras internacionais (como a Orangefab de origem Francesa) e canais de conexão via serviços consulares (você iria se surpreender com o apoio de networking que pode receber do setor de promoção comercial do Consulado Brasileiro em São Francisco). Estes canais servem como transmissores culturais, criando em suas esferas de atuação oportunidades de replicação dos traços culturais que movimentam as relações sociais no Vale. Como professor na área de empreendedorismo, fico instigado a criar novas pontes de ligação da minha região com o Vale. Definitivamente, vou incentivar alguns alunos com visão global a conectar seus empreendimentos com o ecossistema do Vale do Silício desde os estágios iniciais.
3) O futuro é promissor para o Vale. Apesar de seus cerca de cem anos de geração recorrente de tecnologias e inovação em larga escala, acredito que a história do Vale ainda está no início. O impacto na humanidade será ainda maior do que o impacto que já vemos atualmente. Estamos presenciando uma transformação cultural gigantesca em escala global. Os meios de produção estão ficando cada vez mais acessíveis ao cidadão comum. Esta combinação de pessoas visionárias, criativas, com acesso colaborativo aos meios de produção e capital, desperta os elementos essenciais para o empreendedorismo. A região do Vale do Silício está repleta destes elementos e cada caso de sucesso alimenta este ciclo. O apetite para receber ainda mais pessoas e ideias só me faz concluir que ainda há muito a crescer na região. Se você acha que perdeu o timing, que o Vale já está cheio demais, que não há mais espaço para quem ainda não entrou, sugiro que você faça nova avaliação. De preferência, que avalie in loco, converse com pessoas, visite regiões, leia mais sobre a história do Vale do Silício. Recomendo um livro, atualmente fora de edição, chamado “The Big Score: The Billion Dollar Story of Silicon Valley”, escrito em 1985 pelo autor Michael Malone. Se quiser uma boa leitura sobre a história do Vale sob a ótica de inovação, este um título raro vai te dar um panorama muito bem retratado. Também recomendo que se estude sobre empreendedorismo, caso você tenha vontade de abrir a sua própria startup. Existe uma leitura enorme nesta área, mas recomendo um título em específico, uma ótima primeira leitura que vai colocá-lo em contato com a lógica de criação de novos empreendimentos. O nome deste livro é “The Four Steps to the Epiphany”, do professor Steve Blank, escrito em 2003. Este livro deu origem ao movimento conhecido hoje como Lean Startup, termo este cunhado por Eric Ries, que frequentou as aulas de Steve Blank na Universidade de Berkeley (atualmente Blank é professor de Stanford, mas ainda leciona esporadicamente em Berkeley). Uma outra forma de se conectar é buscando cursos em instituições de ensino que tenham links com o Vale do Silício e ao mesmo tempo tenham programas educativos. Aqui na PUC-Rio, além dos programas exclusivos para alunos de graduação e pós-graduação, estamos criando cada vez mais cursos de extensão abertos na área de empreendedorismo, que mantém vínculos diretos ou indiretos com o Vale. O primeiro deles é o Curso de Formação em Empreendedorismo (CFE) e o segundo o Curso de Lean Startup. Fique em contato e manteremos informados com mais novidades de oportunidades de acesso ao Vale, tanto em termos de leitura quanto de conexões e cursos.
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Luis Felipe Carvalho é Doutorando em Educação e Professor de Empreendedorismo no Departamento de Administração da Puc-Rio. E-mail: luis.felipe@puc-rio.br