Experimente fazer esta pergunta para um número grande de pessoas e você verá uma enorme diversidade de respostas. Abrir empresas, assumir riscos, inovar, criar startups, trazer algo novo para o mercado, atitude de mudança. Estas são algumas das respostas mais comuns que se ouve para a pergunta - o que é empreendedorismo? O tema é controverso, ainda não há senso comum sobre a definição.
No cenário acadêmico a situação não parece ser muito diferente. Na última semana participei com uma equipe de cinco professores da PUC-Rio da
Rodada de Educação Empreendedora 2013, que reuniu cerca de cento e vinte professores para discutir o tema em um belo hotel fazenda próximo a Campinas. O primeiro dia de evento trouxe o Professor William Aulet, responsável pelo Centro de Empreendedorismo do MIT. Bill, como é chamado por todos, trouxe uma visão de empreendedorismo de processo. Sua metodologia foi apresentada no formato de um jogo de tabuleiro com vinte e quatro casinhas. Elas começam com a segmentação de mercado, passam pela criação do produto e terminam com um plano de negócios para ganhar dinheiro - representado por um brilhante baú cheio de ouro. Bill faz parte da escola que entende empreendedorismo sob uma visão de negócios. O objetivo é criar empresas, que vão explorar uma oportunidade através de um produto escalável e trazer prosperidade financeira para o empreendedor e para a sociedade. Sua visão está registrada em seu livro "Empreendedorismo Disciplinado" e, segundo o autor, se traduz no mundo real no incrível fato que o faturamento das empresas que saíram do MIT, se somadas, seriam equivalentes ao PIB da décima primeira maior economia do mundo.
A apresentação de Bill foi seguida por um painél com um representante do MDIC e da Endeavor, que fizeram coro com o discurso anterior e criticaram duramente o baixo nível dos planos de negócios apresentados por estudantes em bancas acadêmicas e competições de empreendedorismo universitário como o Prêmio Santander e o Prêmio Sebrae. Segundo eles o nível está tão baixo que beira a mediocridade. É preciso fazer algo para que os estudantes apurem suas visões de negócios e subam o nível - isso é decisivo para o desenvolvimento do país e para a geração de empregos e prosperidade econômica, argumentaram no painel. O coro do empreendegócios ganhava força em uma parte da platéia de professores ávidos por confirmar a sua visão - empreendedor bom é aquele que sabe criar empresas. Viva a modelagem de negócios! Viva a
Business Model Generation! Viva o
Business Canvas! Viva a
Lean Startup! Viva Steve Blanck e Eric Ries! Viva Mark Zuckerber e todos estes caras que criaram redes sociais e aplicativos mirabolantes de dentro do seu dormitório na universidade! Eles construiram mega corporações, ganharam milhões de dólares e são a caricaturização máxima do fenômeno empreendedor. Foi neste momento da apresentação que algo interessante aconteceu. Os dois painelistas colocaram uma terceira cadeira no palco para que alguns professores da platéia fizessem seus comentários. Tive a chance de ser o primeiro a sentar naquela cadeira. Lembrei das centenas de alunos que passaram nas aulas de empreendedorismo aqui na PUC-Rio. Lembrei do
Luti, que construiu uma um projeto fantástico de literatura na Ilha do Marajó. Lembrei do nosso aluno
César que, mesmo sem falar inglês, chegou a final do concurso
Your Big Year na Inglaterra e teve a chance de entrevistar o primeiro ministro David Cameron. Lembrei Luiz e do Guilherme que fazem brownies gostosos e nos deixam felizes. Lembrei do Daniel e do Rafael, que não tem ideia nenhuma de empresa para abrir, mas se engajam profundamente em transformar as coisas e acreditam que vão mudar o mundo. Tanta energia pulsando. Por que eles não podem ser chamados de empreendedores? São jovens de vinte e poucos anos - quanto peso está sendo colocado nas costas deles com esta visão puramente empresarial de empreendedorismo? Será que é só isso? Não vou citar aqui por completo o que eu falei. Só vou dizer que falei sobre o que vemos aqui na PUC-Rio com nossos alunos - e várias cabeças na platéia diziam sim. Não eram todos, mas eram muitos. Dava para sentir no ar que tinha mais gente que pensava também daquele jeito. Parece que o equilíbrio de opiniões estava de alguma maneira sendo restabelecido. A fila de pessoas que veio depois sentar na terceira cadeira confirmou isso. Eles acreditavam que empreendedorismo não é só criar startups. O primeiro dia terminou com um grande ponto de interrogação. Voltamos ao primeiro parágrafo. Mas agora tinhamos algo novo - as opiniões estavam sendo confrontadas e todos estavam se sentindo desconfortáveis com isso. Tinhamos mais um dia de palestras pela frente.
O segundo dia estava inteiramente planejado para receber a Professora Heidi Neck, coordenadora do centro de empreendedorismo da Universidade de Babson - por muitos considerada a número um em ensino de empreendedorismo no mundo. Heidi não esteve presente no primeiro dia de evento, estava voando para o Brasil enquanto Bill Aulet falava. Sua apresentação foi um grande contraponto ao palestrante do MIT. Viva a academia - tem espaço para todos. Para aqueles que formaram a fila da terceira cadeira no painel do dia anterior, Heidi foi a voz com as credenciais certas para reforçar aquela visão mais ampla do empreendedorismo. Assim que ela começou a falar dava para sentir isso. Fui logo consultar seu perfil no twitter, na ânsia de me adiantar sobre o que viria pela frente. No primeiro post que olho já ficou bem clara a sua posição - "Entrepreneurship is NOT only Startups". Heidi fez uma bela apresentação para justificar sua visão mais ampla de empreendedorismo. Ela trouxe de volta o foco para o indivíduo, para a figura do empreendedor. Mostrou a todos na platéia que existem muitos caminhos para empreender e a forma de organizar o empreendimento pode ser diversa - a constituição de uma empresa é somente UMA possíveis formas válidas de se empreender. É importante distinguir o fenômeno essencial do formato que ele assume. Empreendedorismo pode ocorrer em qualquer forma de organização, formal ou não formal. É uma questão de atitude pessoal e coletiva. Não importa se ela se representa dentro de um orgão do governo, dentro de uma grande corporação, dentro de um coletivo de arte ou através de um negócio próprio. São todas formas válidas de se empreender. Nem tudo é
startup. Apresento aqui a visão de empreendedorismo que adotamos na Coordenação de Empreendedorismo da PUC-Rio. Ela tem nos guiado na nossa missão de despertar a atitude empreendedora entre os nossos alunos da Universidade. Ela ajuda a responder a pergunta que fiz no início do texto:
"Empreendedorismo é um conceito que envolve uma atitude pessoal e coletiva de inquietação, ousadia e proatividade, que fornece aos sujeitos a possibilidade de autoria nas diferentes modalidades de carreiras profissionais. Formar empreendedores é equipar aqueles que visam transformar a sua realidade e encontrar o seu talento. A construção empreendedora, incentivada pelas universidades, promove o aprimoramento e a descoberta de novos caminhos em todos os setores, onde as oportunidades se referem àqueles que desejam não apenas montar o seu próprio negócio, mas ter autoria em sua própria trajetória profissional."
Para nós que vivemos em um país tão novo e com tantos desafios, encontramos também um terreno fértil para empreender. Mas precisamos pensar neste conceito de empreendedorismo mais amplo, com foco na capacidade de transformação que existe dentro de cada um de nós. A forma como nos organizamos para canalizar toda esta energia pode ser diversa. Concorda? Ou você acha que este video abaixo não pode também representar o que é empreendedorismo?
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Luis Felipe Carvalho é professor do Departamento de Administração e Coordenador do Centro de Empreendedorismo da Puc-Rio. E-mail: luis.felipe@puc-rio.br